Fanfiction na Escola: ferramentas livres para mentes livres


Autora:

Eloá Gaspar Barreto
Instagram: @eloagasparbarreto
Site: https://eloagaspar.wixsite.com/eloagaspar


O Fanfiction na Escola é um projeto de letramento que se utiliza das fanfictions e outras produções de fã (manifestações culturais populares na internet e em suas comunidades digitais) como estratégias de engajamento dos educandos no processo de letramento.

Compreendendo as fanfictions como histórias escritas por fãs para fãs, sem objetivação de lucro (VARGAS, 2015), idealizou-se um projeto que faz uso de um banco de produções literárias livres, onde ainda há uma preocupação com os direitos autorais e a propriedade intelectual, mas não se restringe a dinâmica de obtenção de benefícios financeiros, incentivando a criação de novas produções textuais, visando, ao final do projeto, a criação de um livro, preferencialmente no formato digital, que se utilizará de softwares livres no processo de construção do livro, entendendo que o trabalho de construção de um livro é um dos princípios educativos basilares do projeto, que tem como uma de suas referências a concepção politécnica apresentada por Saviani (1989).

Para a criação das fanfictions que irão compor o livro, busca-se compreender o contexto histórico, cultural e geográfico da comunidade onde será executado o projeto, possibilitando a seleção de uma literatura base para as fanfics. Essa literatura deve se relacionar com a realidade e história dos educandos, em seu território de pertencimento e deve ser de domínio público, evitando assim problemas legais relacionados à propriedade intelectual e privilegiando os conteúdos que se propõe ser de acesso livre.

Além de promover práticas de letramento e a construção de um livro, o projeto tem por objetivo incentivar a prática e o consumo literário online e offline, introduzindo os educandos, através das oficinas nas escolas e em outros espaços educacionais, nos espaços online de produção e consumo de fanfictions, no entanto, os qualificando criticamente dentro dos espaços educacionais presenciais, para que ao ingressarem nas comunidades virtuais de fanfictions e outras produções de fã, ou mesmo comunidades virtuais e presenciais de produções textuais de caráter não fã, possam estar munidos de uma experiência dialética de produção textual, onde puderam desenvolver a prática de leitura, escrita e construção de um livro, somada a reflexão sobre esse processo e sobre  os textos referências e ferramentas tecnológicas utilizadas, baseada em uma postura dialética apresentada por Paulo Freire (1987).

Sendo assim, o Fanfiction na Escola busca desenvolver um processo educacional através do trabalho de produção de um livro, por meio de softwares livres e das fanfictions, um recurso educacional de caráter popular e comunitário, que surgiu e se desenvolveu nos fandoms, que segundo John Fiske (1992) é uma característica comum da cultura popular das sociedades industriais.

Complementação

As fanfictions ou apenas fanfics, como elucidadas por Vargas (2015), são histórias escritas por fãs para fãs, se utilizando de tramas, cenários, personagens, entre outras características, de um produto cultural de que se é fã, sem a intenção de obter lucros com essa prática. Além dessa característica fundamental, é importante analisar, mesmo que de maneira breve, o histórico das fanfics.

Há pesquisadores que apontam a existência das fanfics na Grécia Antiga, com criação de apêndices às obras de Homero (CAVALCANTE, 2010), outros como Félix (2008), vão apontar registros dessa prática nos séculos XVII e XVIII, devido às releituras de obras como Dom Quixote e Orgulho e Preconceito, mas as fanfics como conhecemos hoje, surge de fato através dos fandoms.

Os fandoms são comunidades de fãs, que se organizam por meio de espaços físicos e virtuais, com o intuito de consumir seus produtos culturais de admiração, sendo a criação de novos produtos culturais parte desse consumo. Como apontado por John Fiske (1992), os fandoms são uma característica comum da cultura popular das sociedades industriais.

Por meio dos fandoms as fanfics surgiram, antes mesmo do avanço e popularização da internet, sendo registrada em fanzines (revistas produzidas por fãs) e distribuídas em eventos de fãs e escolas de ensino médio. Com a chegada e consolidação da rede mundial de computadores, as fanfictions alcançaram uma nova morada e um estilo próprio de se produzir, distribuir e consumir, sendo a criação do  site Fanfiction.net, em 1998, um marco desse novo jeito de se fazer fanfic (BARRETO, 2018).

Ao observar o contexto histórico da fanfic e sua profunda relação com a internet é possível perceber como essa prática é parte de uma manifestação cultural popular na contemporaneidade, sendo suas produções textuais de acesso livre a todos os interessados, apresentando-se assim, como uma ferramenta de letramento livre e que privilegia a criatividade, a pessoalidade e a liberdade de expressão.

Tendo em mente as características, aqui apresentadas, a partir das  fanfics surgiu a ideia de iniciar um projeto de letramento que se utiliza-se dessa prática, que já tem muito espaço entre os jovens, como observado por Vargas (2015) e que presa pela liberdade e o compartilhamento de produções textuais sem intuito de obter bens financeiros.

Alinhado às ideias de Freire (1987) sobre dialogismo e dialética, o projeto Fanfiction na Escola foi sendo moldado, visando sempre a promoção da criatividade de seus educandos; a superação da cisão entre reflexão e prática, já que as reflexões e análises teóricas propostas acontecem através do processo de trabalho de criação das fanfictions e posteriormente de um livro formado por elas; e o uso de recursos livres como: os softwares de edição de imagens e textos para produção do livro e outros materiais necessários ao desenvolvimento do projeto e os sites de fanfiction que as disponibilizam de forma gratuita, as obras literárias de domínio público, cumprindo uma exigência da própria concepção de politecnia  (outra base teórica do projeto),  que é a articulação com o currículo base utilizado nas escolas, mas ainda se atendo ao princípio de uso de materiais que sejam, ou pelo menos se proponham ser,  de acesso livre à todos.

Na primeira edição do Fanfiction na Escola, em 2020, que foi interrompida pela pandemia causada pela COVID-19, não se concluiu a etapa de criação do livro, não sendo possível registrar a experiência do uso de softwares livres durante a criação do projeto. Porém, para formulação do projeto e criação da sua identidade visual, programas como Inkscape, Gimp, o pacote LibreOffice e a plataforma Canva, que apesar de não ser um recurso livre, disponibiliza sua versão gratuita  que é muito útil a adequação dos formatos e tamanhos.

Sobre as experiências realmente vividas diretamente com os educandos, na primeira edição do Fanfiction na Escola, o uso dos sites de fanfictions foram fundamentais para o processo, sendo também muito bem aceitos pelos educandos que se engajaram no processo de leitura e escrita de fanfics, mostrando-se curiosos por esse mundo, que eles ainda não conheciam, e feliz por estarem escrevendo sobre aquilo que gostavam de maneira livre, não burocrática e fundamentalmente não comercial, tendo seus saberes e vontades respeitadas e suas manifestações culturais populares vistas, ouvidas e apreciadas.

Referências

  • BARRETO, Eloá Gaspar. O Universo Fanfiction: campo de oportunidades para a Produção Cultural. 2018. 132f. Monografia (Bacharelado em Produção Cultural) - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Nilópolis, 2019.
  • CAVALCANTE, Larissa. Leitura nos gêneros digitais: abordando as fanfics. In: 3º SIMPÓSIO HIPERTEXTO E TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO , Recife, 2010. Disponível em: <https://www.ufpe.br/nehte/simposio/anais/Anais-Hipertexto-2010/Larissa-Cavalcanti .pdf>. Acesso em 05 jul. 2017.
  • FÉLIX, T. C. O dialogismo no universo fanfiction: uma análise da criação de fã a partir do dialogismo bakhtiniano. Ao pé da letra, Olinda, v.10, n.2, p.119 -133, jul. 2008.
  • FISKE, John. The Cultural Economy of Fandom. In: LEWIS, Lisa A.. The Adoring Audience: fan culture and popular media. Londres: Routledge, 1992. p. 30 - 49.
  • FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
  • SAVIANI, Dermeval. Sobre a concepção de politecnia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. Politécnico da Saúde Joaquim Venâncio, 1989.
  • VARGAS, M.L.B. O fenômeno Fanfiction: novas leituras e escrituras em meio eletrônico. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2015.

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